Eram umas cinco da tarde, mais ou menos. Estavam sentados na sala de espera do Hospital da Trindade, os futuros pais, os cunhado e irmã da parturiente, e a parteira.
-Então? Não sentiu nenhuma contração, enquanto estivemos aqui? Disse a parteira com um sorriso à futura mãe.
- Não. Nada!
- Temos que provocar o parto. Essa criança já deveria estar cá fora!
Sorrisos...
A parteira olhou para o seu relógio de pulso e passou-lhe uma leve preocupação pela fisionomia.
- Vamos para a sala de partos! Sentenciou.
Os homens disseram que iam até ao clube enquanto a criança não nascesse. Caso fosse necessário viriam de imediato. Mas ia correr tudo bem, por isso poderiam ir descansados.
Saíram sorridentes.
A sala de partos do hospital era igual a todas as outras. Branca, com uma cama de ferro branca, uma mesa branca e só o suporte do soro, tinha uma armação metálica. Era mesmo um quarto de hospital.
A parteira preparou a futura mãe e colocou-lhe na veia da mão esquerda uma agulha ligada a um tubo. O soro começou a cair gota a gota. Muito lentamente... A parteira disse que ia ao hospital do Terço ver outra parturiente, enquanto o soro fazia efeito.
A futura mãe inquietou-se.
- E quando volta? Suspirou a mãe.
-Não demoro nada. A outra senhora também está com soro há mais de duas horas e provavelmente ainda não nasce para já.
- E se me acontece qualquer coisa? Insistiu a mãe.
- Nah! Não está sozinha. Tem aqui a sua irmã e se for necessário venho a correr. Não se preocupe! Preparou-se para sair... Voltou atrás para dizer:
-Descanse! O soro leva tempo a atuar!!
Ficou relaxada, mas inquieta. Bem, sempre tinha a sua irmã...Ao menos isso!
Respirava profundamente, sentindo cada movimento do seu corpo e interiorizando os movimentos do bebé que ia nascer. A parteira já tinha saído há minutos. Não teria tempo de sair do hospital.
A primeira contração forte surgiu, sem dor, sem medo, espontaneamente como se a criança estivesse pronta para nascer depressa, muito depressa! Tão depressa que a futura mãe disse aflita para a irmã que fosse a correr chamar a parteira. Já não havia muito tempo pela frente.
A parteira estava à porta prontinha para abandonar o local e não acreditou no que ouvia! Era impossível que o soro já tivesse atuado tão rapidamente. Perante a insistência da irmã, voltou à sala e foi verificar o estado da parturiente.
Nesse mesmo momento surgiu a segunda contração e de tal modo forte que a mãe só teve tempo de dobrar os joelhos e apoiar-se na barra da cabeceira da cama, com força. A parteira só teve tempo para passar vaselina pelas mãos e alargar num movimento rápido de rotação a vagina para facilitar o nascimento.
À terceira contração, nasceu! Um rapaz com 57 cms e 4,400 Kgr de peso.
Após o "apgar" a parteira colocou o bebé sobre o peito da mãe, que com uma enorme curiosidade, "inspecionou" o seu filho, tal qual uma fêmea de quatro patas. Era perfeito, mas o tempo excessivo de gestação fê-lo ficar como um velhinho, todo enrugado. A mãe ficou preocupada, mas a parteira disse que era normal e em pouco tempo teria uma pele lisinha e saudável.
Aquela criança nascera em 15 minutos e foi um parto sem dor. Nasceu tranquilamente.
Voltou para o quarto com o seu bebé e lá ficou até ao dia seguinte. Durante a primeira noite o seu filho sentiu imensa fome o que o fez chupar toda a noite no seu dedo polegar, com um ruído muito característico.
De madrugada sentiu fortes dores no baixo ventre e tinha uma vontade enorme de urinar, mas não saia nada. Chamou uma enfermeira. Apareceu uma freira. Disse-lhe o que sentia e que não era normal. Mas a enfermeira/freira respondeu que podia ser normal. Qualquer resto de placenta ou indisposição intestinal...
O que se seguiu foi doloroso, muito doloroso. A dita enfermeira resolveu apertar-lhe o ventre. Ao fazê-lo de forma brusca e grosseira a mãe soltou o maior grito da sua vida. A dor lancinante parecia ter-lhe rasgado as entranhas.
O tempo passou e mãe e filho regressaram a casa. Ela vinha com o mesmo peso que tinha com a criança dentro da barriga e inchada de tal forma que quase não conseguia abrir os olhos.
O médico assistente foi a casa e não queria acreditar no que via. O diagnóstico era mau, muito mau. Ao fazer o toque verificou que tinha uma enorme infecção na uretra, responsável pelas dores e inchaço e, provavelmente, adquirida por negligência da parteira na hora do parto e pela falta de higiene no processo de expulsão do feto.
Foi medicada com Paraxine e Lasix. Mas as esperanças de melhoras eram remotas. Dado os dias que tinham passado não se sabia se aquele tratamento era o adequado.
A mãe olhou para o filho e pela primeira vez sentiu que podia estar seriamente em risco a sua vida e o futuro do seu filho. Pegou nele e colocou-o ao peito. Mamou serenamente e percebeu-se que o leite não o saciava. Recorreu-se a um suplemento de leite da farmácia.
Os dias passaram e os líquidos foram saindo lentamente. A medicação estava a fazer efeito e acreditou que se tratava de um milagre.
Preferia ter sentido as "dores" do parto!!
Uns dias mais tarde tudo voltou ao normal. Mãe e filho estavam bem, uma lutando pela saúde de antes e o outro lutando para viver, crescendo lindo e tranquilo.
- Afinal vou ter mesmo que te aturar!!! Não é desta que morro...E tu vê se te comportas como um homenzinho...sim?? Disse a mãe para o filho que parecia entender perfeitamente o que ouvia!
Aquele filho tinha sido tão desejado! Aos 12 meses foi batizado com o nome do avô paterno. Um homem que a morte levou ainda muito novo de ataque cardíaco. Era uma pessoa excelente. Nunca foi visto mal disposto, zangado ou a reclamar do que quer que fosse. Foi primeiro violino na Orquesta Sinfónica do Porto e toda a sua vida foi pautada pela seriedade e honestidade.
Foi um exemplo para muitas pessoas, pese embora não tenha sido seguido, como deveria ser, pelos que lhe eram mais próximos.
Foi há 38 anos, mas parece que foi ontem...